por José Barbosa Machado
da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
Díli-Timor,
dor sempre esquecida,
tão presente dor!
Ruy Cinatti, Paisagens Timorenses com Vultos, 1974
1. Antecedentes coloniais
Quando os primeiros Portugueses chegaram a Timor, cerca de vinte anos depois de Vasco da Gama ter descoberto o caminho marítimo para a Índia (1498), encontraram na ilha um conjunto de reinos mais ou menos heterogéneos. Os contacto iniciais foram muito limitados, fixando-se nalgumas trocas comerciais numa ou noutra localidade junto à costa. Só no século XVII, já depois de se terem instalado na ilha de Solor, e porque o comércio do sândalo tinha certo interesse económico, é que os Portugueses se estabeleceram nalgumas zonas costeiras, ali se fixando especialmente comerciantes e missionários. A relação dos Portugueses com os régulos dos reinos timorenses era diminuta e foi graças aos missionários que houve uma aproximação progressiva entre ambos os povos (Cf. verbi gratia Branco, 1987).
Foi a chegada dos Holandeses ao Índico, seus rivais no comércio, que levou os Portugueses a estabelecer em Timor uma presença mais significativa a que poderemos chamar pré-colonial. Esse colonialismo incipiente caracterizava-se pela construção de lugares fortificados com a ajuda das gentes nativas e o estabelecimento de alianças com os régulos para protecção mútua e a exploração do comércio.
Só em finais do século XVIII, face às várias revoltas de diversos reinos timorenses contra os Portugueses, muitas vezes dirigidas e incentivas pelos Holandeses, que entretanto se fixaram no lado oeste de Timor, é que os Portugueses iniciaram um plano sistemático de colonização. Avançaram para o interior da ilha, até então praticamente desconhecida, e implementaram uma política de alianças com os vários reinos, comprometendo-se estes a respeitar a soberania do rei de Portugal. Portugal respeitou parcialmente as divisões tradicionais da região, assim como a autoridade dos vários liurais, implementando uma política de não interferência. Em contrapartida, os reinos comprometiam-se a pagar uma finta, ou imposto. Foi aliás devido aos impostos a pagar que se originaram umas quantas revoltas que culminariam, em 1912, com a que ficou conhecida como a Revolta de Manufaí, fortemente reprimida pela administração portuguesa. As revoltas que aconteceram entre 1894 e 1912 vitimaram mais de noventa mil timorenses (Cf. Araújo, 1977: 37).
Dessas revoltas facilmente se depreende que o povo timorense nunca aceitou de bom grado a presença e a interferência de estrangeiros.
Convém, no entanto, referir que o conceito de "povo timorense" só na segunda metade do século XX é que começou a ganhar forma. Timor, como atrás referimos, era um território constituído por vários reinos, alguns deles isolados entre si por barreiras naturais, como as montanhas, falando línguas diferentes e tendo tradições e costumes diversos. Até ao século XX, nunca houve uma unidade efectiva desses reinos. Quando muito, em tempo de guerra, faziam alianças entre si para lutar contra a presença estrangeira (javanesa, chinesa, portuguesa ou holandesa) ou contra um reino vizinho rival.
O valor económico de Timor para Portugal foi sempre problemático. Inicialmente, Portugal pretendia controlar o comércio do sândalo cuja hegemonia pertencia aos Chineses. Nunca conseguiu controlar totalmente e, quando este produto perdeu o seu interesse comercial, o território não conseguiu encontrar um seu substituto que económico. Assim sendo, Timor foi uma das poucas colónias portuguesas a não conseguir financiar-se a si própria, dependendo de Lisboa, de Goa, e de Macau. A administração portuguesa no território dependia de financiamentos e subsídios desses centros. Isto deve-se à dificuldade da cobrança de impostos por um lado e por outro ao atraso económico do território.
Só no século XX é que se lograram implementar novos produtos agrícolas e a sua exploração mais sistematizada. Um desses produtos foi o café, tendo sido uma das principais fontes de rendimento da colónia até 1975. A exploração petrolífera foi também iniciada com a colaboração de empresas americanas e australianas. Mesmo assim, como diz Geoffrey C. Gunn no seu livro Timor Loro Sae: 500 Anos, «a experiência de Timor Português nos primeiros tempos do pós-guerra sugere que o território era mais um encargo que uma fonte de receita para os recursos coloniais» (Gunn, 1999: 277).
Curiosamente, enquanto nos outros territórios coloniais portugueses se estabeleceram alguns milhares de colonos que exploravam os recursos naturais dos mesmos, em Timor isso não se verificou. A presença de Portugueses da Metrópole era praticamente nula, limitando-se ao pessoal administrativo – mesmo assim, algum dele nativo –, aos militares em serviço, a alguns padres missionários, a uns quantos condenados políticos e a alguns empresários e fazendeiros. Daí talvez não ter havido em Timor um confronto aberto entre colonizadores e colonizados como houve depois da invasão indonésia de 1975.
Uma das explicações para o facto de os Portugueses não partirem em massa para Timor, tal como sucedeu com Angola e Moçambique, deve-se ao facto de o território estar geograficamente muito afastado da Metrópole e de os Portugueses preferirem regiões economicamente mais atractivas. É o que nos diz Geoffrey Gunn na passagem seguinte: «Diversamente das colónias de domínio directo, incluindo Angola e Moçambique, onde se estabeleceram colonos, Timor, um posto avançado oceânico, ficou sendo uma zona de extremo isolamento, como o Laos francês ou, no mundo português, a Guiné, onde as formas locais de poder tributário atenuaram o modo de produção colonial e, mais tarde, colonial-capitalista» (Gunn, 1999: 315).
Dois dos maiores impactos que a presença dos Portugueses e dos Holandeses tiveram na ilha de Timor dizem respeito à questão das fronteiras e à questão religiosa.
Toda a ilha de Timor até à chegada dos europeus era, já o dissemos, um conjunto de reinos ora comungando de tradições comuns, ora separados pela geografia do terreno, pela língua e pela etnia. A presença inicial dos Portugueses e dos Holandeses não se estendeu a todo o território ou a grandes áreas do mesmo, mas a pequenos enclaves, originando como que um mapa pontuado de pequenos territórios ou localidades costeiras. Só em 1916 é que, depois de demoradas conversações entre os governos português e holandês, é que se chegou a uma acordo fronteiriço, traçando-se um mapa definitivo entre o território pertencente a Timor Ocidental e a Timor Leste. Ora, esse facto desencadeou, como nos diz Geoffrey Gunn, «um terrível desequilíbrio» (Gunn, 1999: 15). Isto porque, ao traçarem artificialmente as fronteiras, Portugal e a Holanda «não tomaram em conta a heterogeneidade étnica e linguística dos povos da ilha» (Ibidem). Este é aliás um problema comum a praticamente todos os territórios colonizados pelos europeus na África, na Ásia e na América.
A questão religiosa abriu um fosso entre as duas partes da ilha. Enquanto que na parte holandesa se difundiu o Protestantismo, havendo no entanto certa liberdade religiosa para a prática de outras formas de religião, como o Islamismo, ou Animismo, na parte portuguesa difundiu-se o Catolicismo, sendo combatidas quaisquer outras. Embora não haja estatísticas fidedignas quanto ao número de católicos na parte leste da ilha, sabe-se que este número aumentou proporcionalmente desde a presença e o trabalho de apostolado sistemático dos primeiros missionários dominicanos aí estabelecidos a partir do século XVII.
Actualmente, e reportando-nos a dados referentes às dioceses de Díli e Baucau, subsistem em Timor Loro Sae duas grandes religiões: o Catolicismo e o Animismo. O Animismo foi sendo progressivamente contaminado pela simbologia e pelo ritual católicos, havendo muita dificuldade em dizer se os que praticam esta forma rudimentar de religião são realmente animistas ou católicos.
O que, todavia, é certo, é que as populações urbanas e costeiras de Timor Loro Sae são maioritariamente católicas e isso deveu-se por um lado ao trabalho dos missionários e por outro à aculturação, embora superficial, empreendida no século XX pelos Portugueses.
Apesar do isolamento da colónia em relação ao poder central, espalhou-se pelo território, em especial a partir da Segunda Guerra Mundial, uma rede escolar aceitável, complementada por colégios orientados por missionários que muito contribuíram para a criação de uma élite cujos seus membros iriam ser os protagonistas da malograda independência de 1975.
2. O neo-colonialismo indonésio
A partir da Revolução dos Cravos de 1974, empreendida por um grupo de militares que pôs termo ao regime totalitário em vigor à mais de quarenta anos em Portugal, iniciou-se o processo de descolonização dos territórios administrados pelos Portugueses. Acerca da forma como essa descolonização foi feita já se disseram muitas coisas. Passados que foram vinte e cinco anos, poderemos afirmar que o processo foi apressado, pouco ponderado pelas várias partes e até mesmo irresponsável. Dá a ideia de que os sucessivos governos provisórios de Lisboa que na altura estiveram à frente do país pretendiam livrar-se o mais rapidamente possível do peso das colónias.
Em Angola, Moçambique e na Guiné desencadeava-se uma guerra sistemática de resistência ao domínio português que em nada beneficiava a jovem democracia portuguesa. Essa guerra só poderia terminar no momento em que os Portugueses abandonassem os territórios e dessem, por consequência, a independência aos mesmos. E foi o que se procurou fazer o mais rapidamente possível. Esse facto trouxe consequências danosas para os vários territórios tornados independentes, uma vez que não estavam democraticamente preparados para isso, levando a guerras que ainda hoje prosseguem. O caso de Angola é o mais flagrante.
Em Timor Leste, e ao contrário das outras colónias, não havia um movimento armado contra a presença portuguesa. Se exceptuarmos a revolta de Viqueque em 1959, instigado pela Indonésia, Timor viveu em paz desde a saída dos Japoneses no final da Segunda Guerra Mundial até ao conflito entre os apoiantes da UDT e da Fretilin em 1975 (cf. Pires, 1991). Este conflito aliás, que deu a vitória à Fretilin, foi o pretexto para a Indonésia invadir o território com a conivência dos Estados Unidos e da Austrália.
Entre 1974 e 1975, a administração portuguesa, como fez aliás com as restantes possessões coloniais, pretendia dar a independência a Timor Leste. Havia, no entanto, quem defendesse uma autonomia mais alargada em vez de uma independência total. A autonomia faria parte de um período de transição que levaria futuramente à independência. Esta ideia tinha a ver com o facto de realmente não haver uma oposição armada à presença portuguesa.
O poeta Ruy Cinatti, um dos poucos portugueses que conhecia bem o território, quer geográfica, quer socialmente, era a favor da autonomia porque, entendia ele, o povo timorense ainda não estava política e economicamente preparado para a independência. Face àqueles que defendiam uma integração na Indonésia, afirmava que os Indonésios estavam, muito menos do que os Portugueses, à altura de prestar o auxílio económico que Timor tanto necessitava. «Acaso se esquecem», diz o poeta numa advertência final publicada no livro Paisagens Timorenses com Vultos, «do que é o Timor indonésio sob o domínio, não de Timorenses, mas de Javaneses tão altaneiros como os Castelhanos em relação às restantes etnias espanholas? Ou que os Timorenses indonésios atravessam a fronteira em busca do pão que lhes falta ou do tratamento sanitário de cujos serviços são deficientes?» (Cinatti, 1992: 563).
Para Rui Cinatti, «a autodeterminação é um direito que não se discute desde que esclarecido antes de amado. Ou simultaneamente amado e esclarecido» (Ibidem). Para este escritor, a autodeterminação implica uma maioridade espiritual e para ela deveria contribuir Portugal. Isso porém não aconteceu e os governos que presidiram ao destino do país entre 1974 e 1975, dando por um lado liberdade para a criação de movimentos políticos locais com a finalidade da rápida descolonização, tomaram uma atitude de não intervenção que foi fatal para Timor Leste.
O pretexto, como atrás dissemos, para a invasão indonésia do território em 1975, foi o desentendimento entre os dois principais movimentos políticos criados em Timor Leste: A UDT e a Fretilin. A UDT, ou União Democrática Timorense, era de pendor conservador e defendia a independência. A Fretilin, ou Frente Revolucionária de Timor Leste Independente, era um movimento de esquerda e defendia também a independência do território, reclamando no entanto o imediato fim do colonialismo português. Havia ainda a Apodeti, um movimento político minoritário, que defendia a integração do território na Indonésia, tendo alguns dos seus dirigentes feito parte da revolta de Viquete de 1959.
Os dirigentes dos dois principais movimentos desentenderam-se, levando a uma guerra civil que foi rapidamente ganha pela Fretilin. A administração portuguesa, embora continuasse no território, manteve-se à margem desta guerra. É então que a Indonésia, por pressões dos Estados Unidos, que não queriam uma Cuba no Índico que pudesse dificultar a passagem dos submarinos nucleares americanos, decide intervir e invade o território no dia 7 de Dezembro de 1975. Estava-se ainda na guerra fria e a tudo o que fosse suspeito de marxismo-leninismo os Estados Unidos respondiam com a força ou faziam outros responder por si.
Geoffrey Gunn, entende, no entanto, que o receio de Timor Leste vir a tornar-se um país de influência comunista era infundado, pelo simples facto de o marxismo-leninismo não ter uma tradição no território como tinha, por exemplo, em Timor Ocidental. «O sentido de justiça social da Fretilin», diz este autor, «deriva mais da Igreja Católica, da tradição comunitária de Timor; e recrutou os seus aliados no próprio povo, uma versão benigna de populismo rural» (Gunn, 1999: 297).
A Indonésia, ao invadir Timor Leste, não só satisfez o desejo dos Estados Unidos de ver o pretenso perigoso comunista longe das águas da região, como satisfez o seu velho desejo de controlar um território rico em recursos naturais, especialmente o petróleo.
Os 24 anos de colonialismo indonésio, que terminou em 1999 quando os timorenses rejeitaram massivamente a integração na Indonésia através de um referendo organizado pelas Nações Unidas, foram, de um ponto de vista económico e social, catastróficos. Os Timorenses nunca se conformaram com a anexação do território e, por esse motivo, o governo do ditador Suharto procurou impor pela força e pela aculturação sistemática dos jovens a nova ordem. Foi em vão. Os jovens timorenses que o regime indonésio educou foram os que mais se opuseram à sua presença no território. Exemplo disso são as manifestações fortemente reprimidas pela polícia e pelo exército indonésios, quer em Timor Leste, quer em Jacarta, tendo algumas delas acabado em verdadeiros banhos de sangue, como foi o caso do massacre no Cemitério de Santa Cruz em Novembro de 1991.
A atitude da Indonésia perante Timor Leste foi de uma sobranceria tipicamente colonialista. A Indonésia implementou em Timor tudo o que de negativo teve o regime colonial: execuções em massa, destruição de aldeias revoltosas, deportações, confiscação de terras, exploração de mão da obra barata, perseguição, prisão, assassinato e tortura de dirigentes ou de suspeitos da Resistência.
O mais grave, todavia, foi a tentativa por parte da Indonésia de reduzir o povo de Timor Leste à miséria económica e social. O únicos interesses da Indonésia em Timor eram económicos. A cultura do café, malgrado ter caído cerca de noventa por cento depois de Portugal abandonar o território, a exploração dos mármores e o petróleo eram francamente lucrativos para o governo de Jacarta. Daí, e contra todas as resoluções da ONU, os Indonésios nunca terem mostrado vontade de ceder perante as pressões internacionais e acabarem com a exploração tipicamente colonialista do território.
Nunca cederam até ao momento em que os países que mais a apoiavam, os Estados Unidos e a Austrália, perante a evidência das imagens do caos em que Timor Leste se tornou após o referendo de 30 de Agosto de 1999, fizeram pressão para que terminassem os massacres e fosse restaurada a paz no território.
3. O interesse australiano por Timor Leste
A posição da Austrália em relação a Timor tornou-se ambígua a partir da invasão do território pelas tropas japonesas durante a Segunda Guerra Mundial. A Austrália começou por enviar uma força armada para combater os Japoneses, força esta que foi obrigada a retirar face à vantagem militar inimiga. Após a destruição de Hiroshima e Nagazaki e a consequente capitulação do Japão, a Austrália fez pressão junto dos Aliados para que a rendição das tropas estacionadas em Timor fosse feita perante o exército australiano e não perante a administração holandesa na parte ocidental e a administração portuguesa na parte leste da ilha.
Os motivos australianos para esta atitude terão sido dois: «primeiro, assinalar o facto de terem sido os Australianos a resistir, sozinhos, aos Japoneses; e segundo, mostrar que os Portugueses (...) não deviam ter qualquer papel militar no término das hostilidades», uma vez que a sua neutralidade durante a guerra contribuíra para que o Japão tivesse inteira liberdade para transformar o território numa base militar (Gunn, 1999: 258).
Os Japoneses, conhecedores das pretensões australianas, contactaram de imediato Lisboa e acordaram com o governo de Salazar a rendição das suas tropas junto da administração portuguesa no território. O grande temor do Japão era que Timor caísse inteiramente nas mãos dos Aliados. Portugal receava, por outro lado, a possibilidade de vir a perder a administração da colónia.
Na rendição ocorrida na parte ocidental da ilha, os Australianos não permitiram que os representantes holandeses assinassem o documento que oficializava a mesma, o que criou um «"profundo desapontamento e preocupação" por parte das autoridades holandesas». (Gunn, 1999: 259). Essa preocupação tinha o seu fundamento: daí a dois anos, a Holanda viria a perder o controlo administrativo dos territórios da actual Indonésia.
Sendo a Austrália um dos principais aliados da Indonésia e tendo, após a Segunda Guerra Mundial, contribuído de uma forma decisiva para a sua independência, forçoso será concluir que os interesses australianos não se fixavam exclusivamente no plano político. Havia também interesses económicos muito fortes.
O governo australiano começou a dar grande atenção à ilha timorense quando em 1947 recebeu relatórios que referiam a existência de grandes jazidas de petróleo no mar de Timor. De imediato, entrou em negociações com Portugal para definir a fronteira marítima, porque, argumentava, o local onde as jazidas foram descobertas encontrava-se numa zona que fazia parte da plataforma continental e por isso pertencia à Austrália. Portugal não aceitou os argumentos da Austrália e deu a exploração do petróleo a várias empresas privadas.
Entretanto, a Austrália procurou convencer a Indonésia com os mesmos argumentos e o governo de Suharto cedeu 70 por cento do leito marinho entre o norte do país e a parte ocidental da ilha de Timor. Ficavam de fora 250 quilómetros onde, curiosamente, se encontravam as jazidas mais rentáveis e que estavam sob a alçada de Portugal (cf. Gunn, 1999: 281-282).
Quando a Indonésia decidiu invadir o território em 1975, o governo australiano mostrou-se bastante satisfeito. A região ficava assim liberta da nefasta influência dos Portugueses, os únicos na região a obstruírem os interesses económicos australianos, e as pretensões independentistas dos Timorenses, provável fonte de conflitos diplomáticos, eram neutralizadas. Seria muito mais fácil negociar com a Indonésia, velho aliado económico. Não foi por acaso que a Austrália se tornou, contra todas as resoluções da ONU, o primeiro país a reconhecer oficialmente a integração de Timor Leste na Indonésia.
Poderá, no entanto, estranhar-se que o governo australiano tenha liminarmente rejeitado uma ideia que surgiu junto dos movimentos políticos timorenses em 1975 e que propunha a integração de Timor Leste na Austrália. Para alguns Timorenses, era uma possibilidade bem mais atraente do que a integração na Indonésia.
A Austrália recusou por duas razões fundamentais: a primeira tinha a ver com um pesado encargo económico. Timor era uma região subdesenvolvida e o governo australiano teria de criar infraestruturas que pudessem modernizar a região no plano económico, administrativo, da saúde e da educação. Isso seria muito dispendioso. A segunda razão tem a ver com o facto de a Austrália não querer desgostar a Indonésia que, desde a independência, tinha pretensões ao território. Para a Austrália, era preferível explorar os recursos naturais de Timor sem os encargos e os aborrecimentos que pudessem advir da responsabilidade de uma administração. Dá a ideia que os Australianos preferiram deixar o trabalho sujo aos Indonésios.
E foi assim que a Austrália fechou os olhos a 24 anos de atrocidades cometidas pela Indonésia em Timor Leste. Os interesses económicos estavam acima da defesa dos direitos humanos e da denúncia de crimes de genocídio. Nem o conhecimento dos crimes cometidos contra cidadãos australianos, como o lamentável caso da morte violenta de vários jornalistas em Balibó em 1975 por tropas indonésias, fizeram o governo australiano modificar a sua posição.
Em 1999, após o referendo que deu a vitória à causa da independência e perante a evidência das imagens que correram mundo dos massacres engendrados pelas milícias e pelo exército indonésio, o governo de Camberra, como que seguindo a tendência da comunidade internacional, decidiu condenar a actuação da Indonésia. Com o desenrolar dos acontecimentos de Setembro de 1999, e perante as resoluções da ONU, a Austrália, escudada pelos Estados Unidos, que finalmente alteravam a sua política em relação ao apoio à Indonésia para o caso de Timor Leste, decidiu oferecer-se para chefiar a força de imposição de paz no território.
Poderemos perguntar-nos se esse oferecimento foi inteiramente inocente, se derivou tão somente da solidariedade internacional pelo povo martirizado de Timor Leste, ou se não haverá uma outra razão mais forte.
A Austrália, ao apoiar a resolução da ONU que exigia a retirada dos indonésios de Timor Leste e ao defender uma intervenção militar para impor a paz, entrou de imediato em conflito com a Indonésia. O governo de Jacarta viu nisso uma espécie de tiro nas costas. A Austrália, tendo pesado todas as consequências económicas e face ao apoio internacional à causa timorense, decidiu apostar na independência. Apoiando a causa timorense, granjeava as simpatias dos dirigentes da Resistência e poderia assim continuar o trabalho de exploração petrolífera.
De acordo com relatos de vários jornalistas que foram para Timor Leste após a entrada no território das forças de imposição de paz, a actuação da Austrália, que comandava a operação na pessoa do general Peter Cosgrove, foi de grande sobranceria no trato com a população em geral e com os membros da Resistência em particular. A protecção exagerada ao líder da resistência, Xanana Gusmão, foi bastante suspeita e originou reacções de protesto, não só dos Timorenses, como do próprio implicado.
Estamos certos de que os interesses da Austrália por Timor Loro Sae são exclusivamente económicos e é por esses que ela continuará a bater-se nos próximos anos. Até, talvez, se esgotar o petróleo ao largo de Timor. O povo timorense, esse continuará a ser o eterno sofredor, o eterno explorado.
Assim como no colonialismo eram os interesses económicos a comandar os países que o praticavam, assim, na época pós-colonial, são os mesmos interesses a comandar, sob a capa de ideologias políticas caídas em desuso ou sob a capa de um pretenso humanitarismo, os interesses de uns quantos países que não querem perder as suas fontes de rendimento.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Abílio de (1977), Timor Leste: os Loricos Voltaram a Cantar: Das Guerras Independentistas à Revolução do Povo Maubere, Lisboa.
BARRETO, João Loff (1982), The Timor Drama, Lisboa, Timor Newsletter.
BRANCO, João Diogo Alarcão de Carvalho (1987), A Ordem de S. Domingos e as Origens de Timor, Lisboa, ed. de autor.
BRANDÃO, Carlos Cal (1992), Funo (Guerra em Timor), Edições AOV.
CINATTI, Ruy (1992), Obra Poética, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
FELGAS, Hélio (1956), Timor Português, Lisboa, Agência Geral do Ultramar.
GUNN, Geoffrey C. (1999), Timor Loro Sae: 500 Anos, Macau, Livros Oriente. Tradução de João Aguiar.
PIRES, Mário Lemos (1991), Descolonização de Timor: Missão Impossível?, Lisboa, Círculo de Leitores e Publicações Dom Quixote.
Revista Visão, números 338, 339, 340, 341, 342, 343 e 344, publicados entre Setembro e Outubro de 1999.
ROCHA, Carlos Vieira (1996), Timor: Ocupação Japonesa Durante a Segunda Guerra Mundial, Lisboa, Sociedade Histórica da Independência de Portugal.
1. Antecedentes coloniais
Quando os primeiros Portugueses chegaram a Timor, cerca de vinte anos depois de Vasco da Gama ter descoberto o caminho marítimo para a Índia (1498), encontraram na ilha um conjunto de reinos mais ou menos heterogéneos. Os contacto iniciais foram muito limitados, fixando-se nalgumas trocas comerciais numa ou noutra localidade junto à costa. Só no século XVII, já depois de se terem instalado na ilha de Solor, e porque o comércio do sândalo tinha certo interesse económico, é que os Portugueses se estabeleceram nalgumas zonas costeiras, ali se fixando especialmente comerciantes e missionários. A relação dos Portugueses com os régulos dos reinos timorenses era diminuta e foi graças aos missionários que houve uma aproximação progressiva entre ambos os povos (Cf. verbi gratia Branco, 1987).
Foi a chegada dos Holandeses ao Índico, seus rivais no comércio, que levou os Portugueses a estabelecer em Timor uma presença mais significativa a que poderemos chamar pré-colonial. Esse colonialismo incipiente caracterizava-se pela construção de lugares fortificados com a ajuda das gentes nativas e o estabelecimento de alianças com os régulos para protecção mútua e a exploração do comércio.
Só em finais do século XVIII, face às várias revoltas de diversos reinos timorenses contra os Portugueses, muitas vezes dirigidas e incentivas pelos Holandeses, que entretanto se fixaram no lado oeste de Timor, é que os Portugueses iniciaram um plano sistemático de colonização. Avançaram para o interior da ilha, até então praticamente desconhecida, e implementaram uma política de alianças com os vários reinos, comprometendo-se estes a respeitar a soberania do rei de Portugal. Portugal respeitou parcialmente as divisões tradicionais da região, assim como a autoridade dos vários liurais, implementando uma política de não interferência. Em contrapartida, os reinos comprometiam-se a pagar uma finta, ou imposto. Foi aliás devido aos impostos a pagar que se originaram umas quantas revoltas que culminariam, em 1912, com a que ficou conhecida como a Revolta de Manufaí, fortemente reprimida pela administração portuguesa. As revoltas que aconteceram entre 1894 e 1912 vitimaram mais de noventa mil timorenses (Cf. Araújo, 1977: 37).
Dessas revoltas facilmente se depreende que o povo timorense nunca aceitou de bom grado a presença e a interferência de estrangeiros.
Convém, no entanto, referir que o conceito de "povo timorense" só na segunda metade do século XX é que começou a ganhar forma. Timor, como atrás referimos, era um território constituído por vários reinos, alguns deles isolados entre si por barreiras naturais, como as montanhas, falando línguas diferentes e tendo tradições e costumes diversos. Até ao século XX, nunca houve uma unidade efectiva desses reinos. Quando muito, em tempo de guerra, faziam alianças entre si para lutar contra a presença estrangeira (javanesa, chinesa, portuguesa ou holandesa) ou contra um reino vizinho rival.
O valor económico de Timor para Portugal foi sempre problemático. Inicialmente, Portugal pretendia controlar o comércio do sândalo cuja hegemonia pertencia aos Chineses. Nunca conseguiu controlar totalmente e, quando este produto perdeu o seu interesse comercial, o território não conseguiu encontrar um seu substituto que económico. Assim sendo, Timor foi uma das poucas colónias portuguesas a não conseguir financiar-se a si própria, dependendo de Lisboa, de Goa, e de Macau. A administração portuguesa no território dependia de financiamentos e subsídios desses centros. Isto deve-se à dificuldade da cobrança de impostos por um lado e por outro ao atraso económico do território.
Só no século XX é que se lograram implementar novos produtos agrícolas e a sua exploração mais sistematizada. Um desses produtos foi o café, tendo sido uma das principais fontes de rendimento da colónia até 1975. A exploração petrolífera foi também iniciada com a colaboração de empresas americanas e australianas. Mesmo assim, como diz Geoffrey C. Gunn no seu livro Timor Loro Sae: 500 Anos, «a experiência de Timor Português nos primeiros tempos do pós-guerra sugere que o território era mais um encargo que uma fonte de receita para os recursos coloniais» (Gunn, 1999: 277).
Curiosamente, enquanto nos outros territórios coloniais portugueses se estabeleceram alguns milhares de colonos que exploravam os recursos naturais dos mesmos, em Timor isso não se verificou. A presença de Portugueses da Metrópole era praticamente nula, limitando-se ao pessoal administrativo – mesmo assim, algum dele nativo –, aos militares em serviço, a alguns padres missionários, a uns quantos condenados políticos e a alguns empresários e fazendeiros. Daí talvez não ter havido em Timor um confronto aberto entre colonizadores e colonizados como houve depois da invasão indonésia de 1975.
Uma das explicações para o facto de os Portugueses não partirem em massa para Timor, tal como sucedeu com Angola e Moçambique, deve-se ao facto de o território estar geograficamente muito afastado da Metrópole e de os Portugueses preferirem regiões economicamente mais atractivas. É o que nos diz Geoffrey Gunn na passagem seguinte: «Diversamente das colónias de domínio directo, incluindo Angola e Moçambique, onde se estabeleceram colonos, Timor, um posto avançado oceânico, ficou sendo uma zona de extremo isolamento, como o Laos francês ou, no mundo português, a Guiné, onde as formas locais de poder tributário atenuaram o modo de produção colonial e, mais tarde, colonial-capitalista» (Gunn, 1999: 315).
Dois dos maiores impactos que a presença dos Portugueses e dos Holandeses tiveram na ilha de Timor dizem respeito à questão das fronteiras e à questão religiosa.
Toda a ilha de Timor até à chegada dos europeus era, já o dissemos, um conjunto de reinos ora comungando de tradições comuns, ora separados pela geografia do terreno, pela língua e pela etnia. A presença inicial dos Portugueses e dos Holandeses não se estendeu a todo o território ou a grandes áreas do mesmo, mas a pequenos enclaves, originando como que um mapa pontuado de pequenos territórios ou localidades costeiras. Só em 1916 é que, depois de demoradas conversações entre os governos português e holandês, é que se chegou a uma acordo fronteiriço, traçando-se um mapa definitivo entre o território pertencente a Timor Ocidental e a Timor Leste. Ora, esse facto desencadeou, como nos diz Geoffrey Gunn, «um terrível desequilíbrio» (Gunn, 1999: 15). Isto porque, ao traçarem artificialmente as fronteiras, Portugal e a Holanda «não tomaram em conta a heterogeneidade étnica e linguística dos povos da ilha» (Ibidem). Este é aliás um problema comum a praticamente todos os territórios colonizados pelos europeus na África, na Ásia e na América.
A questão religiosa abriu um fosso entre as duas partes da ilha. Enquanto que na parte holandesa se difundiu o Protestantismo, havendo no entanto certa liberdade religiosa para a prática de outras formas de religião, como o Islamismo, ou Animismo, na parte portuguesa difundiu-se o Catolicismo, sendo combatidas quaisquer outras. Embora não haja estatísticas fidedignas quanto ao número de católicos na parte leste da ilha, sabe-se que este número aumentou proporcionalmente desde a presença e o trabalho de apostolado sistemático dos primeiros missionários dominicanos aí estabelecidos a partir do século XVII.
Actualmente, e reportando-nos a dados referentes às dioceses de Díli e Baucau, subsistem em Timor Loro Sae duas grandes religiões: o Catolicismo e o Animismo. O Animismo foi sendo progressivamente contaminado pela simbologia e pelo ritual católicos, havendo muita dificuldade em dizer se os que praticam esta forma rudimentar de religião são realmente animistas ou católicos.
O que, todavia, é certo, é que as populações urbanas e costeiras de Timor Loro Sae são maioritariamente católicas e isso deveu-se por um lado ao trabalho dos missionários e por outro à aculturação, embora superficial, empreendida no século XX pelos Portugueses.
Apesar do isolamento da colónia em relação ao poder central, espalhou-se pelo território, em especial a partir da Segunda Guerra Mundial, uma rede escolar aceitável, complementada por colégios orientados por missionários que muito contribuíram para a criação de uma élite cujos seus membros iriam ser os protagonistas da malograda independência de 1975.
2. O neo-colonialismo indonésio
A partir da Revolução dos Cravos de 1974, empreendida por um grupo de militares que pôs termo ao regime totalitário em vigor à mais de quarenta anos em Portugal, iniciou-se o processo de descolonização dos territórios administrados pelos Portugueses. Acerca da forma como essa descolonização foi feita já se disseram muitas coisas. Passados que foram vinte e cinco anos, poderemos afirmar que o processo foi apressado, pouco ponderado pelas várias partes e até mesmo irresponsável. Dá a ideia de que os sucessivos governos provisórios de Lisboa que na altura estiveram à frente do país pretendiam livrar-se o mais rapidamente possível do peso das colónias.
Em Angola, Moçambique e na Guiné desencadeava-se uma guerra sistemática de resistência ao domínio português que em nada beneficiava a jovem democracia portuguesa. Essa guerra só poderia terminar no momento em que os Portugueses abandonassem os territórios e dessem, por consequência, a independência aos mesmos. E foi o que se procurou fazer o mais rapidamente possível. Esse facto trouxe consequências danosas para os vários territórios tornados independentes, uma vez que não estavam democraticamente preparados para isso, levando a guerras que ainda hoje prosseguem. O caso de Angola é o mais flagrante.
Em Timor Leste, e ao contrário das outras colónias, não havia um movimento armado contra a presença portuguesa. Se exceptuarmos a revolta de Viqueque em 1959, instigado pela Indonésia, Timor viveu em paz desde a saída dos Japoneses no final da Segunda Guerra Mundial até ao conflito entre os apoiantes da UDT e da Fretilin em 1975 (cf. Pires, 1991). Este conflito aliás, que deu a vitória à Fretilin, foi o pretexto para a Indonésia invadir o território com a conivência dos Estados Unidos e da Austrália.
Entre 1974 e 1975, a administração portuguesa, como fez aliás com as restantes possessões coloniais, pretendia dar a independência a Timor Leste. Havia, no entanto, quem defendesse uma autonomia mais alargada em vez de uma independência total. A autonomia faria parte de um período de transição que levaria futuramente à independência. Esta ideia tinha a ver com o facto de realmente não haver uma oposição armada à presença portuguesa.
O poeta Ruy Cinatti, um dos poucos portugueses que conhecia bem o território, quer geográfica, quer socialmente, era a favor da autonomia porque, entendia ele, o povo timorense ainda não estava política e economicamente preparado para a independência. Face àqueles que defendiam uma integração na Indonésia, afirmava que os Indonésios estavam, muito menos do que os Portugueses, à altura de prestar o auxílio económico que Timor tanto necessitava. «Acaso se esquecem», diz o poeta numa advertência final publicada no livro Paisagens Timorenses com Vultos, «do que é o Timor indonésio sob o domínio, não de Timorenses, mas de Javaneses tão altaneiros como os Castelhanos em relação às restantes etnias espanholas? Ou que os Timorenses indonésios atravessam a fronteira em busca do pão que lhes falta ou do tratamento sanitário de cujos serviços são deficientes?» (Cinatti, 1992: 563).
Para Rui Cinatti, «a autodeterminação é um direito que não se discute desde que esclarecido antes de amado. Ou simultaneamente amado e esclarecido» (Ibidem). Para este escritor, a autodeterminação implica uma maioridade espiritual e para ela deveria contribuir Portugal. Isso porém não aconteceu e os governos que presidiram ao destino do país entre 1974 e 1975, dando por um lado liberdade para a criação de movimentos políticos locais com a finalidade da rápida descolonização, tomaram uma atitude de não intervenção que foi fatal para Timor Leste.
O pretexto, como atrás dissemos, para a invasão indonésia do território em 1975, foi o desentendimento entre os dois principais movimentos políticos criados em Timor Leste: A UDT e a Fretilin. A UDT, ou União Democrática Timorense, era de pendor conservador e defendia a independência. A Fretilin, ou Frente Revolucionária de Timor Leste Independente, era um movimento de esquerda e defendia também a independência do território, reclamando no entanto o imediato fim do colonialismo português. Havia ainda a Apodeti, um movimento político minoritário, que defendia a integração do território na Indonésia, tendo alguns dos seus dirigentes feito parte da revolta de Viquete de 1959.
Os dirigentes dos dois principais movimentos desentenderam-se, levando a uma guerra civil que foi rapidamente ganha pela Fretilin. A administração portuguesa, embora continuasse no território, manteve-se à margem desta guerra. É então que a Indonésia, por pressões dos Estados Unidos, que não queriam uma Cuba no Índico que pudesse dificultar a passagem dos submarinos nucleares americanos, decide intervir e invade o território no dia 7 de Dezembro de 1975. Estava-se ainda na guerra fria e a tudo o que fosse suspeito de marxismo-leninismo os Estados Unidos respondiam com a força ou faziam outros responder por si.
Geoffrey Gunn, entende, no entanto, que o receio de Timor Leste vir a tornar-se um país de influência comunista era infundado, pelo simples facto de o marxismo-leninismo não ter uma tradição no território como tinha, por exemplo, em Timor Ocidental. «O sentido de justiça social da Fretilin», diz este autor, «deriva mais da Igreja Católica, da tradição comunitária de Timor; e recrutou os seus aliados no próprio povo, uma versão benigna de populismo rural» (Gunn, 1999: 297).
A Indonésia, ao invadir Timor Leste, não só satisfez o desejo dos Estados Unidos de ver o pretenso perigoso comunista longe das águas da região, como satisfez o seu velho desejo de controlar um território rico em recursos naturais, especialmente o petróleo.
Os 24 anos de colonialismo indonésio, que terminou em 1999 quando os timorenses rejeitaram massivamente a integração na Indonésia através de um referendo organizado pelas Nações Unidas, foram, de um ponto de vista económico e social, catastróficos. Os Timorenses nunca se conformaram com a anexação do território e, por esse motivo, o governo do ditador Suharto procurou impor pela força e pela aculturação sistemática dos jovens a nova ordem. Foi em vão. Os jovens timorenses que o regime indonésio educou foram os que mais se opuseram à sua presença no território. Exemplo disso são as manifestações fortemente reprimidas pela polícia e pelo exército indonésios, quer em Timor Leste, quer em Jacarta, tendo algumas delas acabado em verdadeiros banhos de sangue, como foi o caso do massacre no Cemitério de Santa Cruz em Novembro de 1991.
A atitude da Indonésia perante Timor Leste foi de uma sobranceria tipicamente colonialista. A Indonésia implementou em Timor tudo o que de negativo teve o regime colonial: execuções em massa, destruição de aldeias revoltosas, deportações, confiscação de terras, exploração de mão da obra barata, perseguição, prisão, assassinato e tortura de dirigentes ou de suspeitos da Resistência.
O mais grave, todavia, foi a tentativa por parte da Indonésia de reduzir o povo de Timor Leste à miséria económica e social. O únicos interesses da Indonésia em Timor eram económicos. A cultura do café, malgrado ter caído cerca de noventa por cento depois de Portugal abandonar o território, a exploração dos mármores e o petróleo eram francamente lucrativos para o governo de Jacarta. Daí, e contra todas as resoluções da ONU, os Indonésios nunca terem mostrado vontade de ceder perante as pressões internacionais e acabarem com a exploração tipicamente colonialista do território.
Nunca cederam até ao momento em que os países que mais a apoiavam, os Estados Unidos e a Austrália, perante a evidência das imagens do caos em que Timor Leste se tornou após o referendo de 30 de Agosto de 1999, fizeram pressão para que terminassem os massacres e fosse restaurada a paz no território.
3. O interesse australiano por Timor Leste
A posição da Austrália em relação a Timor tornou-se ambígua a partir da invasão do território pelas tropas japonesas durante a Segunda Guerra Mundial. A Austrália começou por enviar uma força armada para combater os Japoneses, força esta que foi obrigada a retirar face à vantagem militar inimiga. Após a destruição de Hiroshima e Nagazaki e a consequente capitulação do Japão, a Austrália fez pressão junto dos Aliados para que a rendição das tropas estacionadas em Timor fosse feita perante o exército australiano e não perante a administração holandesa na parte ocidental e a administração portuguesa na parte leste da ilha.
Os motivos australianos para esta atitude terão sido dois: «primeiro, assinalar o facto de terem sido os Australianos a resistir, sozinhos, aos Japoneses; e segundo, mostrar que os Portugueses (...) não deviam ter qualquer papel militar no término das hostilidades», uma vez que a sua neutralidade durante a guerra contribuíra para que o Japão tivesse inteira liberdade para transformar o território numa base militar (Gunn, 1999: 258).
Os Japoneses, conhecedores das pretensões australianas, contactaram de imediato Lisboa e acordaram com o governo de Salazar a rendição das suas tropas junto da administração portuguesa no território. O grande temor do Japão era que Timor caísse inteiramente nas mãos dos Aliados. Portugal receava, por outro lado, a possibilidade de vir a perder a administração da colónia.
Na rendição ocorrida na parte ocidental da ilha, os Australianos não permitiram que os representantes holandeses assinassem o documento que oficializava a mesma, o que criou um «"profundo desapontamento e preocupação" por parte das autoridades holandesas». (Gunn, 1999: 259). Essa preocupação tinha o seu fundamento: daí a dois anos, a Holanda viria a perder o controlo administrativo dos territórios da actual Indonésia.
Sendo a Austrália um dos principais aliados da Indonésia e tendo, após a Segunda Guerra Mundial, contribuído de uma forma decisiva para a sua independência, forçoso será concluir que os interesses australianos não se fixavam exclusivamente no plano político. Havia também interesses económicos muito fortes.
O governo australiano começou a dar grande atenção à ilha timorense quando em 1947 recebeu relatórios que referiam a existência de grandes jazidas de petróleo no mar de Timor. De imediato, entrou em negociações com Portugal para definir a fronteira marítima, porque, argumentava, o local onde as jazidas foram descobertas encontrava-se numa zona que fazia parte da plataforma continental e por isso pertencia à Austrália. Portugal não aceitou os argumentos da Austrália e deu a exploração do petróleo a várias empresas privadas.
Entretanto, a Austrália procurou convencer a Indonésia com os mesmos argumentos e o governo de Suharto cedeu 70 por cento do leito marinho entre o norte do país e a parte ocidental da ilha de Timor. Ficavam de fora 250 quilómetros onde, curiosamente, se encontravam as jazidas mais rentáveis e que estavam sob a alçada de Portugal (cf. Gunn, 1999: 281-282).
Quando a Indonésia decidiu invadir o território em 1975, o governo australiano mostrou-se bastante satisfeito. A região ficava assim liberta da nefasta influência dos Portugueses, os únicos na região a obstruírem os interesses económicos australianos, e as pretensões independentistas dos Timorenses, provável fonte de conflitos diplomáticos, eram neutralizadas. Seria muito mais fácil negociar com a Indonésia, velho aliado económico. Não foi por acaso que a Austrália se tornou, contra todas as resoluções da ONU, o primeiro país a reconhecer oficialmente a integração de Timor Leste na Indonésia.
Poderá, no entanto, estranhar-se que o governo australiano tenha liminarmente rejeitado uma ideia que surgiu junto dos movimentos políticos timorenses em 1975 e que propunha a integração de Timor Leste na Austrália. Para alguns Timorenses, era uma possibilidade bem mais atraente do que a integração na Indonésia.
A Austrália recusou por duas razões fundamentais: a primeira tinha a ver com um pesado encargo económico. Timor era uma região subdesenvolvida e o governo australiano teria de criar infraestruturas que pudessem modernizar a região no plano económico, administrativo, da saúde e da educação. Isso seria muito dispendioso. A segunda razão tem a ver com o facto de a Austrália não querer desgostar a Indonésia que, desde a independência, tinha pretensões ao território. Para a Austrália, era preferível explorar os recursos naturais de Timor sem os encargos e os aborrecimentos que pudessem advir da responsabilidade de uma administração. Dá a ideia que os Australianos preferiram deixar o trabalho sujo aos Indonésios.
E foi assim que a Austrália fechou os olhos a 24 anos de atrocidades cometidas pela Indonésia em Timor Leste. Os interesses económicos estavam acima da defesa dos direitos humanos e da denúncia de crimes de genocídio. Nem o conhecimento dos crimes cometidos contra cidadãos australianos, como o lamentável caso da morte violenta de vários jornalistas em Balibó em 1975 por tropas indonésias, fizeram o governo australiano modificar a sua posição.
Em 1999, após o referendo que deu a vitória à causa da independência e perante a evidência das imagens que correram mundo dos massacres engendrados pelas milícias e pelo exército indonésio, o governo de Camberra, como que seguindo a tendência da comunidade internacional, decidiu condenar a actuação da Indonésia. Com o desenrolar dos acontecimentos de Setembro de 1999, e perante as resoluções da ONU, a Austrália, escudada pelos Estados Unidos, que finalmente alteravam a sua política em relação ao apoio à Indonésia para o caso de Timor Leste, decidiu oferecer-se para chefiar a força de imposição de paz no território.
Poderemos perguntar-nos se esse oferecimento foi inteiramente inocente, se derivou tão somente da solidariedade internacional pelo povo martirizado de Timor Leste, ou se não haverá uma outra razão mais forte.
A Austrália, ao apoiar a resolução da ONU que exigia a retirada dos indonésios de Timor Leste e ao defender uma intervenção militar para impor a paz, entrou de imediato em conflito com a Indonésia. O governo de Jacarta viu nisso uma espécie de tiro nas costas. A Austrália, tendo pesado todas as consequências económicas e face ao apoio internacional à causa timorense, decidiu apostar na independência. Apoiando a causa timorense, granjeava as simpatias dos dirigentes da Resistência e poderia assim continuar o trabalho de exploração petrolífera.
De acordo com relatos de vários jornalistas que foram para Timor Leste após a entrada no território das forças de imposição de paz, a actuação da Austrália, que comandava a operação na pessoa do general Peter Cosgrove, foi de grande sobranceria no trato com a população em geral e com os membros da Resistência em particular. A protecção exagerada ao líder da resistência, Xanana Gusmão, foi bastante suspeita e originou reacções de protesto, não só dos Timorenses, como do próprio implicado.
Estamos certos de que os interesses da Austrália por Timor Loro Sae são exclusivamente económicos e é por esses que ela continuará a bater-se nos próximos anos. Até, talvez, se esgotar o petróleo ao largo de Timor. O povo timorense, esse continuará a ser o eterno sofredor, o eterno explorado.
Assim como no colonialismo eram os interesses económicos a comandar os países que o praticavam, assim, na época pós-colonial, são os mesmos interesses a comandar, sob a capa de ideologias políticas caídas em desuso ou sob a capa de um pretenso humanitarismo, os interesses de uns quantos países que não querem perder as suas fontes de rendimento.
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