Crónica de Timor-Leste

por Pereira Lourenço de CTEN FZ
As três crónicas já publicadas relataram alguns tipos de operações de que foi incumbida a Companhia nº 23 de Fuzileiros, as celebrações natalícias e da passagem do milénio, sendo também destacada a presença da Marinha no Comando do sector atribuído a Portugal.

Canhoneira “Pátria”
Após ter terminado a comissão de serviço de seis meses em Timor, período que o signatário considera marcante na sua carreira de oficial de marinha fuzileiro, julga oportuno salientar aspectos ligados à história do território, assinalando as marcas emblemáticas ainda existentes da presença portuguesa.
Os testemunhos relativos à história inicial de Timor, são inexistentes e apenas se pode provar que antes de 1522 já os mercadores portugueses comerciavam na região, depreendendo-se que a data da sua chegada tenha acontecido após a conquista de Malaca em 1511. Está documentado o desembarque, em 1556, do primeiro missionário, o padre dominicano António Taveira, em Solor, Flores e Timor mas apenas em 1701 D. João V criou o cargo de governador de Timor e Solor com a autoridade suprema. Assim, é usual afirmar-se que o território de Timor foi conquistado pela cruz e não pela espada.
A primeira capital foi em Lifau no enclave do Oé-Cussi, local onde ainda se pode encontrar um monumento inaugurado em 1974, o último erigido sob soberania de Portugal, na base do qual uma placa assinala que foi ali que em 1561 chegaram os primeiros portugueses e afirma “Aqui também é Portugal”.
Em 1769, devido a dificuldades logísticas e também a aspectos relacionados com a segurança, a capital foi mudada para Díli.
Várias vicissitudes sofreu o povo timorense cuja personalidade foi primorosamente caracterizada pelo poeta Ruy Cinatti que, profundamente apaixonado por Timor e pelas suas gentes, tornou-se um dos seus melhores conhecedores*.
Baía de Tibar

Formado por vários reinos, Timor viveu numa certa apatia até finais do século XIX, salientando-se então o período de 1894 a 1908 durante o qual o governador, tenente-coronel Celestino da Silva, apelidado “rei de Timor”, promoveu um grande desenvolvimento na área agrícola, conseguindo, em 1897, que Timor se separasse administrativamente de Macau e se constituísse num distrito autónomo.
O governador seguinte, 1º tenente da Armada Filomeno da Câmara, prossegue o melhoramento iniciado pelo seu antecessor e em 1912 e 1913 tem que fazer frente à revolta de Manufai.
Nesta sublevação, cuja origem está pouco clara, alguns historiadores atribuem-na à influência de deportados europeus, participou a canhoneira “Pátria”, sob o comando do então capitão-tenente Gago Coutinho, que teve acção decisiva não só por intermédio da artilharia de bordo como também através de sua força de desembarque comandada pelo 2º tenente Mesquita Guimarães. Assim, os marinheiros da “Pátria” foram os antecessores em Timor das actuais unidades de fuzileiros e também eles vitais para a manutenção da paz no território.
Durante o período da Grande Guerra, 1914-1918, embora Timor vivesse momentos difíceis, devido à simpatia da Holanda pelos impérios centrais, conseguiu chegar ao fim do conflito sem ter sofrido qualquer ataque do exterior.
Interessa agora analisar e comparar os momentos trágicos que viveram os timorenses a partir do início da década de 60 do século XX até à actualidade.
Em 17 de Dezembro de 1941 no desenrolar da II Guerra Mundial, apesar da posição de neutralidade de Portugal, mas invocando a necessidade de defenderem o território contra um possível ataque japonês, desembarcaram em Díli tropas holandesas e australianas após a apresentação de um ultimato ao governador, capitão Ferreira de Carvalho. É a 1ª invasão!

Palácio do Governador - Lahane
Timor encontrava-se na encruzilhada de conflitos de interesses e ambições territoriais das potências regionais: Austrália; Holanda e Japão. Para além das preocupações de defesa do seu espaço de influência, os interesses económicos da Austrália estavam materializados no financiamento concedido à Companhia Ultramarina de Petróleos que detinha o exclusivo de pesquisas na zona leste da ilha. A História parece repetir-se, serão os interesses petrolíferos que quatro décadas mais tarde levarão a Austrália a reconhecer a integração de Timor Leste na Indonésia, cite-se o acordo petrolífero relativo ao Timor-Gap.
A Holanda estava preocupada em manter a sua presença nas Índias Orientais, futura Indonésia e os japoneses, por seu turno, desenvolviam a sua expansão na Ásia/Pacífico e em Timor detinham 40% do capital da mais importante empresa, a Sociedade Pátria e Trabalho, cujo objectivo era o incremento da produção do café com vista a tornar o território um importante exportador daquele produto. Com a ocupação aliada a soberania portuguesa foi seriamente abalada, incapaz de evitar o envolvimento de forças estrangeiras na defesa do território e igualmente impossibilitada de as substituir de imediato por um contigente nacional como forma de garantir a neutralidade.
Entretanto apesar da nossa diplomacia desenvolver hábeis negociações junto dos aliados e quando uma força naval portuguesa estava prestes a chegar a Díli, já tinham sido estabelecidas comunicações rádio com a mesma, os japoneses desembarcaram na noite de 19 para 20 de Fevereiro de 1942, na baía de Tibar, a escassos 7 Km a Oeste de Díli. É a 2ª invasão!
Timor encontrava-se na encruzilhada de conflitos de interesses e ambições territoriais das potências regionais: Austrália; Holanda e Japão. Para além das preocupações de defesa do seu espaço de influência, os interesses económicos da Austrália estavam materializados no financiamento concedido à Companhia Ultramarina de Petróleos que detinha o exclusivo de pesquisas na zona leste da ilha. A História parece repetir-se, serão os interesses petrolíferos que quatro décadas mais tarde levarão a Austrália a reconhecer a integração de Timor Leste na Indonésia, cite-se o acordo petrolífero relativo ao Timor-Gap.
A Holanda estava preocupada em manter a sua presença nas Índias Orientais, futura Indonésia e os japoneses, por seu turno, desenvolviam a sua expansão na Ásia/Pacífico e em Timor detinham 40% do capital da mais importante empresa, a Sociedade Pátria e Trabalho, cujo objectivo era o incremento da produção do café com vista a tornar o território um importante exportador daquele produto. Com a ocupação aliada a soberania portuguesa foi seriamente abalada, incapaz de evitar o envolvimento de forças estrangeiras na defesa do território e igualmente impossibilitada de as substituir de imediato por um contigente nacional como forma de garantir a neutralidade.
Entretanto apesar da nossa diplomacia desenvolver hábeis negociações junto dos aliados e quando uma força naval portuguesa estava prestes a chegar a Díli, já tinham sido estabelecidas comunicações rádio com a mesma, os japoneses desembarcaram na noite de 19 para 20 de Fevereiro de 1942, na baía de Tibar, a escassos 7 Km a Oeste de Díli. É a 2ª invasão!
Pôr do Sol em Timor

Para homenagear os heróis portugueses e timorenses que resistiram ou morreram no decurso da ocupação japonesa foram erguidos vários memoriais que genericamente ainda hoje se encontram em razoável estado de conservação. De salientar a existência de uma placa à beira da estrada Díli-Aileu que demonstra o reconhecimento dos australianos pelo sacrifício dos timorenses. Infelizmente anos mais tarde esqueceram-se desta dívida!
O governador português ficou então sob prisão domiciliária na sua residência em Lahane, actualmente muito degradada devido às destruições levadas a cabo pelas milícias pró-indonésias em Setembro de 1999. Apesar de detido, o capitão Ferreira de Carvalho não regatearia esforços para obter compromissos dos invasores a respeitar a soberania portuguesa.
Alguns timorenses das gerações com mais de 50 anos ainda hoje, de viva voz e em bom português, testemunham as provações sofridas durante a II Guerra Mundial, tendo tido o signatário desta crónica o ensejo de comprovar esse facto quando ao fotografar a estátua do Engenheiro Artur do Canto de Resende, na marginal de Díli, dele se acercou um ancião timorense que narrou, ali mesmo, alguns episódios de tenaz resistência levada a cabo por este engenheiro que desempenhou o cargo de administrador de Díli num período muito crítico e morreu sob cativeiro japonês em Fevereiro de 1945.
Até 22 de Setembro de 1945, isto é durante três anos e meio, Timor não teve qualquer contacto com o exterior, os japoneses ocuparam todo o território e a partir dele chegaram a efectuar, por meios aéreos, o bombardeamento de Port Darwin no Norte da Austrália. Uma severa repressão foi exercida junto dos timorenses fiéis a Portugal, destacando-se entre estes a heroicidade dos régulos D. Jeremias e D. Aleixo Corte Real, tendo este comandado uma guerrilha contra o invasor nipónico que posteriormente o assassinou. Na sede do distrito em Ainaro foi levantado a este herói timorense um monumento que ainda se encontra em bom estado de conservação. Por forma a submeter as populações pelo terror os japoneses criaram as chamadas colunas negras, integrando elementos timorenses e javaneses que levaram a cabo verdadeiras chacinas contra militares portugueses e nativos fiéis em todo o território, nomeadamente em Aileu, onde um memorial assinala o local em que foram executados um elevado número de europeus e timorenses. A ocupação japonesa dividiu os portugueses, uns refugiaram-se na Austrália apelidando os que tinham ficado no território junto ao governador de colaboracionistas, enquanto os de Liquiçá consideravam os outros de desertores. Mais tarde quando dos trágicos acontecimentos de 1975 também portugueses houve que defenderam a posição do governador enquanto outros discordaram totalmente. Em Timor parece que a História se repete!
Só no início de Setembro de 1945 é que o governador português teve conhecimento da capitulação do Japão e a rendição final do invasor ocorrerá em 22 de Setembro perante uma missão australiana, tendo na ocasião os chefes timorenses declarado fidelidade ao governador. Entretanto no território vizinho holandês os nativos que tinham apoiado totalmente os japoneses, já que estes lhes tinham prometido a autonomia caso ganhassem a guerra, iniciavam uma revolta contra a potência colonial que só terminará em 1947 com o reconhecimento da sua independência por parte da Holanda. Enquanto Portugal tinha feito uma colonização em que respeitando os costumes e tradições locais e incutido nos naturais a religião, a língua e uma série de valores civilizacionais europeus, no território vizinho a colonização não foi europeia mas sim efectuada pela etnia local mais importante, os javanezes e por isso os holandeses nada deixaram nem os seus próprios mortos, já que os mesmos eram transladados para a Europa. Assim, o facto da Indonésia ter sido colonizada por Java, além de ser um motivo de permanente instabilidade naquele país também justifica que, apesar de haver uma identidade rácica, o timorense de Leste nada tem a ver culturalmente com o seu vizinho indonésio. Esta dicotomia irá perdurar e será relevante mais tarde.
Monumento aos mártires da ocupação estrangeira - Liquiçá
A soberania portuguesa foi restabelecida por força do estipulado no Acordo de Santa Maria, assinado nos Açores em 17 de Agosto de 1943 como contrapartida por Portugal a partir daquela data ter dado apoio no arquipélago às forças aliadas.
Apesar de Portugal não ter entrado na II Guerra Mundial tinha conseguido a proeza de, no fim da mesma, manter completa soberania sobre a totalidade dos seus domínios ultramarinos.
Entre 27 e 29 de Setembro de 1945 chega a Díli a força expedicionária portuguesa a bordo do transporte “Angola” escoltado pelos avisos “Bartolomeu Dias” e “Gonçalves Zarco” a que se juntou dias depois o “Afonso de Albuquerque” o qual, como é sabido, mais tarde, em 1961, heroicamente enfrentaria a poderosa esquadra indiana quando da invasão do então Estado Português da Índia. Tinha, como diziam, acontecido em Timor a 3ª invasão!
A ocupação nipónica deixou Timor praticamente destruído, daí que actualmente não são muito abundantes os edifícios de traça tipicamente portuguesa. No entanto, sobretudo nas capitais de distrito, ainda é possível divisar algumas destas infraestruturas as quais são geralmente construções de finais da década de 40 ou princípios da seguinte, do século XX. Estão neste caso sobretudo antigas casas de Administração de Distrito e as pousadas situadas em pontos dominantes, com enquadramentos paisagísticos verdadeiramente impressionantes, das quais merecem destaque as de Tutuala, Baucau, Hato-Bulico e Maubisse em estado de conservação aceitável.
Três décadas decorridas após o fim da II Guerra Mundial o período de paz é interrompido em 1974 após o 25 de Abril. Alguns portugueses inventam então os partidos políticos locais numa terra que desde sempre se tinha regido por um sistema de chefes tradicionais cujo poder era transmitido por hereditariedade.
Monumento ao Eng.° Artur Resende - Díli
Em Agosto de 1975 o governo sai de Díli e Timor Leste apenas “de jure” está sob administração portuguesa. Depois do 25 de Novembro a força política timorense dominante, a Fretilin, constata que já não terá apoio por parte de Portugal e declara uniteralmente a independência. Numa época em que a Guerra Fria atingia o seu apogeu e o comunismo progredia na Ásia era inaceitável para o Ocidente Timor tornar-se a “Cuba do Oriente”.
A 7 de Dezembro de 1975 a Indonésia invade brutalmente Timor Leste cometendo as maiores atrocidades sobre o povo que trinta anos antes tinha sofrido duramente o imperialismo japonês. Era a 4ª Invasão! Paradoxalmente o invasor indonésio não apagou as marcas da presença portuguesa, certamente porque tomou consciência do carinho e quase veneração que as mesmas suscitavam junto do povo timorense.
Os japoneses tinham criado as colunas negras, os portugueses inventado os partidos políticos, os indonésios irão formar as milícias. Tudo serviu para dividir o tão sofrido povo timorense.
Depois de uma terrível ocupação de quase um quarto de século, em 1999, por referendo os timorenses destemidamente e enfrentando todas as pressões votam esmagadoramente pela sua autonomia e independência. A ONU passa a administrar o território. É a 5ª invasão!

Monumento em memória de D. Aleixo Corte Real - Ainaro
É difícil prever o que a actual acção irá originar, para já um facto é claro, após a II Guerra Mundial e depois de três anos e meio de completo isolamento e total subjugação pelo sólido imperialismo nipónico, em cerca de um mês toda a administração do território, apesar dos parcos e depauperados recursos humanos e materiais, estava em pleno funcionamento, enquanto actualmente com a pesada e cara máquina burocrática da ONU e dispondo de avultados recursos, a estabilidade e o exercício eficaz da administração estão longe de ser alcançado. Depois das colunas negras, dos partidos políticos e das milícias, surge um novo movimento, os “gangs”, que ameaçam semear o caos como recentemente aconteceu em Viqueque e Díli.
Ao longo dos anos os incidentes relatados deram origem a profundas divisões e ressentimentos entre os timorenses, façamos votos que perante a independência que se avizinha surja a reconciliação, a tolerância e a coesão neste sempre tão martirizado povo e por isso mesmo amplo merecedor de alcançar a paz e a felicidade.
*Ver: Timor “A lenda, a terra e as suas gentes” R.A. nº 326/Dez99

Pousada de Tutuala